Zona Rural do Rio fica sem educação

Ao todo, já são 232 colégios fora das áreas urbanas que foram fechados em quase 10 anos

Ruínas da educação. Bandeira do Brasil jogada no chão em uma sala de aula vazia, as vogais na parede em cartolina rasgada, desenhos natalinos feitos pelas crianças em dezembro de 2016, último mês e ano em que a Escola Municipal Boa Sorte, localizada em uma área agrícola de mesmo nome em Cachoeiras de Macacu reuniu seus estudantes. Hoje, abandonada e tomada pelo mato, a escola faz parte da estatística de uma desconstrução da educação nas zonas rurais do Rio de Janeiro, que em oito anos, de 2010 a 2018, segundo dados mais recentes do Censo Escolar, 232 unidades de ensino foram fechadas.

No início da década, somavam 1.192 colégios, dos quais permaneceram 960 até o ano passado, uma perda de 19,5%. No Estado, como um todo, os colégios abandonados são espelhos do abandono rural, transformando regiões inteiras em despovoados sertões fluminenses, o que contribui para a redução do número de alunos nas escolas, ao passo que, a falta de escolas também contribui para o adeus de muitas famílias à roça.

Segundo Rafael Vasconcelos, 16 anos e ex-aluno da Boa Sorte “agora, toda criança e adolescente daqui estuda fora”. O estudante complementa que “um ônibus escolar pega os que não foram morar na cidade. Só que, às vezes, ele não passa, porque não tem óleo, ou quebra no caminho. Nos dias de chuva, com a estrada barrenta, o motorista também não vem”.

Em um município próximo, a Escola Estadual Faraó de Cima também está fechada e o terreno foi cercado por um muro, filiado às terras do contraventor Luiz Pacheco Drumond, patrono da Imperatriz Leopoldinense. Os menores comparecem a uma escolinha na localidade do Faraó de Baixo. Os adolescentes foram para a área urbana. Mas dependem de uma linha regular de ônibus, com para-choque quebrado e pneus carecas, que assim como acontece em Boa Sorte, às vezes nem circula.

A estudante Roselene do Espírito Santo, 18 anos, vai à escola neste mesmo ônibus há 08 anos. Antes mesmo de embarcar, até chegar ao ponto de ônibus, a jovem precisa caminhar uma hora por uma estrada de chão na montanha. A próxima etapa é encarar de 30 a 40 minutos sacolejando dentro do transporte. A jovem acorda todos os dias às 04h30min, desce a colina ao amanhecer, as vezes com neblina. 

“É exaustivo. Pior quando o ônibus não passa na volta para casa. O jeito é pedir carona ou fazer todo o trajeto a pé, o que dá umas duas horas e meia”, explica Roselene, que sonha em ser veterinária.

Somente em Cachoeiras de Macacu, cerca de 20 escolas, entre municipais e estaduais, estão sem funcionamento. Mas não é o único local a abrigar um cemitério de escolas no Estado. Na última década, 60 dos 92 municípios do Rio, obtiveram uma diminuição quanto ao número de escolas rurais. Em Aperibé, Laje de Muriaé e Macuco, todas foram extintas.

Lenine Lemos, secretário de Articulação da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), que também tem controle da Educação em Queimados, revela que o fechamento dessas escolas vem ocorrendo desde a criação do programa federal Caminho da Escola, em 2007, voltado para o financiamento e compra de ônibus escolares. O objetivo era não deixar nenhuma criança fora da sala de aula. De acordo com alguns gestores, ficou mais barato bancar esse transporte. 

“Manter escola com poucos alunos em uma área rural é mais caro”, relata Lemos, mas que ainda defende o ensino no campo. “Em Queimados, fizemos uma parceria com a Universidade Federal Rural do Rio (UFFRJ) para capacitar professores com intuito de ensinar às crianças temas que fazem sentido para elas no meio rural. Isso ajuda a mantê-las na região em que nasceram”.

Segundo dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015 o Rio de Janeiro possuía 437 mil moradores nas zonas rurais, o que corresponde a 2,6% da população total e cerca de 21% a menos do que 20 anos atrás, com 555 mil moradores. A faixa etária entre crianças e adolescentes, de 05 a 14 anos, diminuiu quase a metade, de 117 mil em 2005, para 58 mil em 2015.

Nas proximidades com a divisa de Minas Gerais, a situação do município de Arapongas, em Santo Antônio de Pádua, Noroeste Fluminense, é ainda mais alarmante. Residem apenas 12 pessoas na região. Os que ainda permanecem, tentam sobreviver às custas do plantio e quase não tem água para a lavoura, pois os poços estão quase secos.

A Escola Municipal Crispim Pereira Gabry foi uma, das nove escolas a serem fechadas em Pádua. No seu último ano de funcionamento, apenas três alunas frequentavam a escola.

Em São Germano, também em Pádua, os dez irmãos de Marlene de Oliveira Eccard, 60 anos, já abandonaram a vida no campo. Só ela resistiu. Seu sogro batizou a escola como Escola Municipal Anacleto Eccard Júnior, onde, por 28 anos, Marlene trabalhou como servente. Em 2017, com o fechamento da escola, Marlene foi transferida junto com as crianças para um a unidade de ensino urbana. Para ela, sem escolas, fica difícil conter o êxodo rural.

“Antes de o colégio fechar, os pais já vinham botando os filhos na cidade, porque aqui só havia uma professora, com um salário muito baixo, que também exercia a função de diretora.

Em Cachoeiras de Macacu, o secretário de educação, Rui Dias, alega que os alunos de todas as escolas fechadas foram remanejados. Sobre a Boa Sorte, o secretário afirma que não houve pedidos de matrícula em 2017.

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