O que ninguém te conta sobre a doação de órgãos

Por: Profa. Dra. Paola Alexandria P. de Magalhães. Enfermeira e PhD em Ciências pela Universidade de São Paulo – EERP/USP

O mês de setembro foi o mês de incentivo à doação de órgãos e no último dia 27 de setembro foi comemorado o Dia Nacional de Doação de órgãos. Esse tema teve grande repercussão nos últimos meses. 

Recentemente pudemos ter contato com a história do apresentador Fausto Silva. O apresentador necessitou de transplante de coração e o fez recentemente. Mas cabe a pergunta, o que realmente engloba a doação de órgãos? O que ninguém te conta sobre isso?

Em uma recente entrevista com a Enfermeira Carla D’Avila Coutinho, especialista em Enfermagem em Terapia Intensiva pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Pós-graduada em Doação, Captação e Transplante de Órgãos e Tecidos pelo Hospital Israelita Albert Einstein, que atuou por 3 anos na Organização de Procura de Órgãos e Tecidos para Transplante (OPO) do Hospital das Clínicas – USP, tivemos acesso a informações importantíssimas sobre todo processo que envolve a doação de órgãos e como é isso na visão dos profissionais de saúde, principalmente o Enfermeiro, e da família doadora.

Profa. Dra. Paola Magalhães: Carla, o que ninguém nos conta sobre doação de órgãos?

Enfa. Esp. Carla D’Avila Coutinho: O processo de doação de órgãos é um processo complexo e árduo. Necessitamos estar 100% atentos e em busca ativa por possíveis doadores. Cabe ressaltar que nosso papel é garantir o direito ao doador de órgãos de que seu desejo de ser doador seja respeitado.

Profa. Dra. Paola Magalhães: Poderia nos contar um pouco sobre o processo e o trabalho do enfermeiro?

Enfa. Esp. Carla D’Avila Coutinho: Nossa função é prestar auxílio no Processo de Doação de Órgãos junto aos hospitais cadastrados e a equipe médica, bem como todo processo de acompanhamento no antes, durante e pós doação. Além disso, nosso papel é notificar a Secretaria de Saúde quando constatada suspeita de morte encefálica para iniciar exames específicos; acompanhar a equipe médica e orienta-la quando necessário na constatação da morte encefálica; informar a família sobre o direito da doação de órgãos, enfatizando sempre que este é um direito do ser humano, ser doador.

É importante salientar que a estatística de doação de órgãos ainda é pequena, porque somente cerca de 10% das pessoas conseguem efetivar o direito de ser doador. Também temos a função de coordenar todo processo de coleta de exames para tipagem e histologia, bem como coordenar todas as equipes que eram responsáveis pela captação destes órgãos. Tudo começa na busca ativa, visita aos hospitais cadastrados nas áreas críticas tais como Pronto Socorros, Unidades de Terapia Intensiva, por exemplo.

O critério para começar todo esse processo é o paciente estar em Glasgow 3 (medida de nível de consciência).

Prof. Dra. Paola Magalhães: E como é feita a seleção do receptor?

Enfa. Esp. Carla D’Avila Coutinho: A partir dos exames e constatação da morte encefálica, os dados que foram coletados do doador serão casados com a lista de receptores, e a partir daí inicia-se a seleção de para quem irá cada órgão doado. É importante dizer que esta lista é sempre em ordem prioritária, e a ordem prioritária se dá por urgência e por compatibilidade histológica. Essa informação é muito importante! Você ser o primeiro da lista não significa que você será o primeiro a receber o órgão que surgir, pois precisa ser compatível histobiologicamente, ou seja, compatibilidade histobiológica receptor-doador. Pode acontecer de um paciente que não está em uma gravidade muito alta, mas acaba recebendo o órgão por questão da histocompatibilidade, do que um paciente que está em uma gravidade altíssima. Tudo é questão de histocompatibilidade, nenhum órgão pode ser perdido.

É um trabalho árduo e de extrema importância. Após a constatação e autorização da doação, a OPO recebe a notificação de quais hospitais serão responsáveis pelas captações de cada órgão doado. O enfermeiro faz toda essa coordenação das equipes. Temos que zelar para que o doador seja tratado com o maior respeito e consideração porque é uma vida que se findou para que outra possa continuar.

Temos que coordenar o horário de retirada de cada órgão e garantir que o coração esteja bombeando sangue para nutrir os demais órgãos e que o organismo do doador esteja nos parâmetros adequados, visto que alguns órgãos possuem janelas curtas entre a retirada e transplante, então temos que garantir a sobrevida deste órgão e da pessoa que estará recebendo.

Por exemplo, o rim tem janela de 72 horas, o fígado de 8 a 10 horas, o coração de 5 horas e o pulmão de 5 horas para ser transplantado, então tudo tem que ser coordenado e em sincronia para garantir essa sobrevida do órgão. Também é importante dizer que cada equipe responsável pela captação do órgão é responsável pelo armazenamento e transporte do mesmo até o receptor. Tais equipes precisam garantir que todo esse processo seja eficiente, eficaz e que não há acesso ao receptor para que não haja conflito de interesse.

Nós enfermeiros temos que garantir que todo o processo seja feito de modo adequado e efetivo, checar os coolers com os órgãos, bem como garantir que o corpo do doador seja preparado de forma adequada e entregue em perfeito estado para a família. Então, dentro do centro cirúrgico, no momento das retiradas dos órgãos, a autoridade máxima é a OPO, ou seja, o Enfermeiro da OPO.

Profa. Dra. Paola Magalhães: E as equipes de saúde, como vêem todo esse processo?

Enfa. Esp. Carla D’Avila Coutinho: Enfrentamos desafios imensos! A maioria dos profissionais de saúde não são preparados durante a formação e pós-formação para o processo de doação de órgãos. Por isso, a importância da Educação em Saúde.

Temos que enfatizar para os profissionais de saúde que todos nós prezamos pela saúde, mas que um dia essa situação pode mudar para qualquer um de nós, e temos que garantir que nenhum profissional esteja esquecendo sua obrigação, porque é obrigação do profissional de saúde notificar a Secretaria de Saúde uma vez que encontre um paciente com possibilidade de estar em morte encefálica, essa notificação é compulsória, então ela deve ser feita a partir do momento em que o médico observou que o paciente está em Glasgow 3, e que a sedação está sendo feita e o paciente não apresenta resposta. Isso ajuda todo o processo e podemos assim garantir muito mais aos doadores o direito da doação.

No entanto, isso não acontece, por isso a importância da OPO fazer busca ativa, porque é um direito do ser humano ser doador de órgãos, assim como a importância de difundir tais informações sobre a doação na sociedade.

O Brasil ainda é o país com menos doação de órgãos e a Espanha é um dos países que mais doa órgãos. Importante ressaltar que não é qualquer óbito que pode fazer doação. Existem critérios específicos que muitas vezes impedem a pessoa de ser doadora, como por exemplo o estilo de morte. 

Profa. Dra. Paola Magalhães: E os familiares? Como lidam com este processo?

Enfa. Esp. Carla D’Avila Coutinho: Temos que ter total empatia para o momento. Nós precisamos sempre pensar em como podemos ajudar essa família. Como podemos oferecer algo que vá acalentar seus corações em todo esse processo. É um momento muito duro, em que estão perdendo um ente querido, então temos que ser acolhedores sempre e a abordagem deve ser em um ambiente tranquilo e íntimo para que os familiares possam expressar seus sentimentos de maneira livre. É muito importante conhecer todo processo do luto para poder auxiliar os familiares neste momento. 

Estar com a família é o momento mais importante da doação, porque pelo menos uma vida será beneficiada com uma doação, mas normalmente são quatro vidas. Então temos que acolher os familiares, muitos têm medo do processo, ou até mesmo falta de informação sobre a doação de órgãos, por isso mais uma vez enfatizo a importância da Educação em Saúde para a população. Normalmente no início é um processo duro, mas depois, a maioria dos familiares se sentem confortados em saber que de certa forma seu ente querido será eternizado e está salvando uma vida.

Profa. Dra. Paola Magalhães: Gratidão Enfa Carla por trazer essas informações tão importantes e que não são ditas normalmente. Enfatizamos aqui então a importância da Educação em Saúde dos profissionais de saúde no geral bem como da população como um todo. Ser doador é um direito seu! Você tem a escolha de poder salvar vidas! 

Deixe o seu comentário

Comente

Seu e-mail não será publicado.


*