Nanza da Cunha, 61 anos, mora em um prédio em Copacabana e, recentemente, notou que outro morador, um senhor de 87 anos, andava muito perturbado após a morte de sua esposa. Gritava da janela, pedia dinheiro e dizia que estava com fome. Ela sabia que uma vizinha tinha se aproximado do homem e alegava estar cuidando dele. Ela, que é cuidadora de idosos, decidiu ir até o apartamento e descobriu que idoso estava em cárcere privado, muito fragilizado, sem comida ou água. Nanza fez uma denúncia à polícia e então passou ela própria a ser agredida e ameaçada. “Ela me persegue, me xinga, diz que vai acabar com a minha vida. Tenho que subir de escada, se não ela me bate dentro do elevador”, contou durante audiência pública da Comissão de Assuntos da Criança, do Adolescente e do Idoso da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) nesta quinta-feira (15/08).
O depoimento revela uma situação frequente na vida da população que está na terceira idade. Entre janeiro e agosto deste ano, o Ministério Público já recebeu 2.136 denúncias de negligência e maus tratos contra idosos na cidade do Rio. No entendimento dos participantes da reunião, a solução para esse problema está na promoção de políticas públicas de suporte tanto aos idosos quanto a seus familiares e cuidadores, que podem prevenir os casos de violência.
Eles destacaram a falta de serviços de assistência e apontaram as dificuldades inerentes ao cuidado de idosos como fatores de risco. “Essa audiência trouxe à tona as questões de violência que muito de nossos idosos estão sofrendo. Então vamos começar a elaborar mecanismos para que o poder público possa devolver à tranquilidade aos idosos e garantir seus direitos”, afirmou a presidente da comissão, deputada Rosane Félix (PSD).
Segundo Sandra Rabello, especialista em gerontologia, os idosos e suas famílias estão desassistidos e fragilizados. “Eles não sabem onde procurar ajuda. Temos que criar políticas públicas de acolhimento”, disse. Para ela, é preciso ainda discutir o envelhecimento. “Todo mundo vai envelhecer, mas a velhice é estigmatizada como uma doença. É possível ter uma vida longa com qualidade e dignidade. Temos que debater mais o assunto e educar as pessoas”, defendeu.
A promotora Cristiane Branquinho considera alarmante o número de denúncias recebidas pelo Ministério Público. “É necessário refletir e agir. Não temos uma política de cuidados do idoso. Faltam serviços socioassistenciais, instituições de longa permanência, unidades de Centro-Dia. Tudo recai na falta de orçamento para tais políticas. Tem que haver a união de forças do município e do estado”, argumentou.
Contexto de risco
A psicóloga Virgínia Maffioletti, integrante do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, afirmou que é essencial entender o contexto que torna propício o descaso e os maus tratos de idosos. “Hoje, o mais comum é tratar o idoso fragilizado ou adoecido em casa, no entanto, isso impõe à família custos físicos, emocionais e financeiros, além de um preparo que a maioria não tem. Esses cuidadores precisam lidar muitas vezes com solidão, uma inversão de papeis, conflitos do passado e a escassez de apoio e serviços especializados”, explicou.
De acordo com Maffioletti, toda essa situação leva ao estresse e ao desgaste dos responsáveis pelo idoso. “Devemos fazer o atendimento dessas famílias e compreender cada caso. É preciso garantir uma rede de suporte, que faz o trabalho de mediar o estresse. Isso pode ser fornecido pela família ou institucionalmente. No Rio, porém, não temos um programa eficaz de assistência ao idoso e seus familiares”, lamentou a psicóloga.
Onde procurar ajuda
Quem estiver ciente de algum caso de negligência ou violência contra idosos no Rio de Janeiro, pode procurar órgãos destinados a esse tipo de denúncia. A Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa da Terceira Idade fica em Copacabana, na Rua Figueiredo de Magalhães, 526; e a ouvidoria do Ministério Público pode ser contactada pelo telefone 2262-7015 ou pelo site.
O Núcleo Especial de Atendimento à Pessoa Idosa da Defensoria Pública atende na Avenida Rio Branco, 147, 12° andar, no Centro. Faça um agendamento pelo número 2332-6338. Além disso, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) oferece um plantão informativo dos direitos da pessoa idosa. O serviço funciona às segundas e quarta-feiras, das 13h às 17h, pelo telefone 2334-0168 e na Coordenação de Projetos de Extensão do campus universitário, 10º andar, bloco F, sala 10.141.2.
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