“A instabilidade econômica e o desemprego em massa podem impactar na quebra dos contratos de compra e venda e na judicialização dos conflitos”, afirma especialista em Direito Civil
Para a construção civil, 2020 era um ano promissor até a chegada do novo coronavírus (Covid-19) em território brasileiro. Após a queda de aproximadamente 30% das atividades do segmento entre 2014 a 2018, a expectativa era de um impacto positivo de aproximadamente 3% do Produto Interno Bruto (PIB).
Em fevereiro, com o corte da taxa básica de juros (Selic) em 0,25 ponto percentual – na época, a maior da história –, previa-se um forte crescimento do setor, já que essa redução impulsionaria o consumo, aquecendo a economia e potencializando as negociações imobiliárias.
Além disso, no primeiro bimestre de 2020 foram registrados o lançamento de 6.781 imóveis e a venda de 19.077 unidades imobiliárias, de acordo com a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).
Entretanto, a crise ocasionada pela pandemia afetou todo o país, em seus mais variados segmentos, especialmente no da construção civil, que, já no primeiro trimestre, sofreu uma queda de 1,5% no PIB. A projeção é ainda pior para o próximo período.
No Distrito Federal, por exemplo, o mercado imobiliário fechou sem lançamentos em abril. Eduardo Aroeira Almeida, presidente da Associação de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-DF), explica que o resultado é coerente com o momento. “Com o início da pandemia, nossas empresas focaram na prevenção e proteção dos seus trabalhadores, segurando a decisão de fazer novos lançamentos”, complementa.
Para Priscilla Chater, especialista em Direito Civil e advogada do escritório Chater Advogados, em Brasília, o ramo da construção civil será impactado pela instabilidade econômica e pelo desemprego em massa. “Em 2019, o setor da construção civil apresentou o melhor desempenho na Bolsa de Valores. Hoje, as construtoras de capital aberto e aquelas que recentemente abriram oferta pública, objetivando acelerar a captação de recursos, amargam severas quedas no mercado financeiro. Se antes havia uma projeção de crescimento, é inevitável que o mercado sofra uma forte retração”, explica.
Mesmo com a não paralização das obras em muitas localidades, a advogada pontua o perigo iminente para o setor e adianta que a crise tende a refletir nos empreendimentos já em andamento.
“Isso ocorrerá tanto por ausência de recursos, como por eventuais dificuldades momentâneas com fornecedores e mão-de-obra especializada, também afetados pela pandemia, ou mesmo pela esperada diminuição de vendas, o que pode prejudicar a entrega das obras.”, complementa.
Em abril deste ano, a incorporadora e construtora Mitre, por exemplo, informou uma queda nas vendas líquidas de 58,8% quando comparado aos primeiros meses do ano passado. Além disso, a Venda Sobre Oferta (VSO) foi impactada e passou de 56,9% para 21,6%, quando comparado o primeiro trimestre de 2019 com o de 2020.
Diante desse cenário, a advogada pontua que pode haver o desencadeamento de inúmeras ações judiciais envolvendo a rescisão de contratos de compra e venda de unidades imobiliárias. Por outro lado, Priscilla acredita que apenas situações excepcionais, mediante a comprovação da absoluta impossibilidade econômica do comprador, atrelada à relação de causa e efeito, poderiam justificar o afastamento dos termos do contrato.
Lei do Distrato
A Lei Federal nº 13.786, conhecida como Lei do Distrato, surgiu em 2018 em razão da multiplicidade de demandas e de entendimentos, com intuito de combater eventuais abusividades.
“De acordo com a Lei, se, antes da entrega das chaves, o adquirente desistir do negócio, este terá direito à restituição do valor pago (atualizado conforme o índice previsto no instrumento), deduzida a comissão de corretagem e a multa contratual não superior a 25% do montante até então pago. Entretanto, quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação, a multa contratual pode ser estabelecida em 50%”, explica Priscilla.
“Nos casos de desistência após a disponibilização da unidade imobiliária, a advogada esclarece que o adquirente, além da multa, responderá pelas quantias correspondentes aos impostos reais incidentes sobre o imóvel; cotas de condomínio e contribuições devidas a associações de moradores; valor correspondente à fruição do imóvel, equivalente a 0,5% sobre o valor atualizado do contrato, pro rata die; e demais encargos incidentes sobre o imóvel e despesas previstas no contrato”, complementa.
No que diz respeito ao atraso da entrega de uma obra, se ultrapassando o prazo de tolerância de 180 dias, o adquirente pode formalizar um pedido de resolução do contrato, no prazo de 60 dias, solicitando a devolução integral da quantia paga, atualizada e acrescida da multa estabelecida contratualmente.
“As dificuldades são e serão, por um bom tempo, bilaterais, portanto, com esteio nos princípios da transparência e da boa-fé, as construtoras devem alertar os compradores a respeito das dificuldades, em especial aquelas que envolvem a prorrogação do prazo de entrega, ajustando, sempre que possível e em contrapartida, diferimento, desconto e outras facilidades para o pagamento das prestações que possibilitem a manutenção do vínculo contratual”, aconselha a advogada.
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