Com a gestão compartilhada, os oficiais da Polícia Militar assumem as tarefas de disciplina e administração. Quatro escolas de cidades satélites, com sete mil estudantes, fazem parte de projeto piloto no Distrito Federal
Um sargento presente em uma escola pública no entorno de Brasília afirma a um grupo de 20 alunos entre 13 e 14 anos que as regras mudaram: terão que fazer fila para entrar em sala de aula, os meninos devem ter cabelo curto e as meninas terão que prender os cabelos em um coque, no estilo militar.
O retorno das aulas no Centro Educacional CED 07, em Ceilândia, é uma das escolas sendo transformada em “colégio militar”, modelo elogiado pelo presidente Jair Bolsonaro, capitão do Exército na reserva.
A medida vai seguir o modelo de “gestão compartilhada”, ou seja, funcionários da Polícia Militar passam a assumir as tarefas de disciplina e administrativas e os professores apenas pautam pela parte pedagógica.
Newton de Araújo, capitão da PM fala que “estamos aqui para empoderar os professores”, com seu impecável uniforme celeste e azul marinho, enquanto organiza seus subalternos para que passem aos alunos as novas regras. “Chegamos para ser colaboradores e não usurpadores”, esclarece o policial.
“Máquina dois nos lados, quatro em cima”, explica o sargento Nunes mostrando a própria cabeça a um aluno questionando de como terá que cortar o cabelo. Uma jovem, de cabelo comprido, também perguntava sobre o estilo a ser adotado pelas meninas.
A primeira novidade foi à obrigatoriedade em formar filas para entrar em sala de aula. Nos próximos meses, outras determinações serão apresentadas. Além do uniforme, as meninas deverão ser muito discretas quanto aos seus acessórios, o hasteamento diário da bandeira nacional e aulas de cidadania.
“Através dos princípios da cultura militar, vamos aplicar regras como civismo, patriotismo, cidadania, ética”, enaltece o capitão Newton.
Segundo Lucas Monteiro, aluno do CED 07 que aos 13 anos já participou de projetos educacionais militares, a nova medida ajudará também a enfrentar os problemas de “agressão física e verbal entre os estudantes, como espancamentos e bullying”.
Os quatro colégios selecionados no Distrito Federal foram os primeiros a serem escolhidos pelos baixos índices de desenvolvimento humano e o alto índice de criminalidade, como tráfico de drogas, nos bairros onde estão localizados, de acordo com o capitão Newton.
A inspiração para a adoção da cultura militar no Distrito Federal veio através dos 120 colégios públicos no Brasil, sendo metade no seu estado vizinho, Goiás, que já adota esta metodologia há anos.
Durante sua campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro declarou que “há um preconceito quando se fala sobre as escolas coordenadas por militares” e acrescentou a promessa de expandir o modelo. “Já foi mais do que provado o sucesso deste modelo”. A ideia é melhorar a disciplina e o rendimento acadêmico, afirmou Newton.
A introdução deste novo modelo educacional revoltou parte da comunidade educacional. Carla Alcântara Souza, professora no CED 07 é filha de militar, mas se opõe drasticamente ao projeto “imposto” na escola. “Me preocupei muito quando nosso diretor de disciplina disse que aqueles que não se adaptarem a este novo modelo podem ir embora. Para um educador, escutar que ‘se você não se adaptar pode sair’, é doloroso”, afirmou a professora totalmente receosa.
A aluna Maria Eduarda Lacerda se mostra preocupada. “Tenho medo porque afetará nossa liberdade de expressão”, mostrando sua insatisfação por não poder mais se vestir como gosta.
“Mas que modelo de sucesso é este?”, questiona a professora Miriam Fabia Alves, da Universidade de Goiás, responsável pela pesquisa sobre a expansão dos colégios militares no estado nos últimos vinte anos. “É possível conceder autoridade a outra pessoa? Isso não existe, não se faz transferência de autoridade, é um discurso falacioso. Essas escolas implantam uma lógica educacional extremamente conservadora”, explica.
De acordo com a pesquisadora, a gestão compartilhada “esconde” a entrega da gestão das escolas à PM. Uma modalidade que, ao que parece, se reproduzirá com força durante o governo de Jair Bolsonaro, cujo ministro da Educação, Ricardo Vélez, já assegurou conceber uma subsecretaria para as escolas militares.
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