Policiais civis entram em ação nas ruas sem aprender a disparar com fuzil

Entre 2013 e 2018, os agentes formados representam cerca de 25% do efetivo da corporação

Em uma delegacia especializada, um inspetor que não quis se identificar, 36 anos, afirma que participa frequentemente de ações policiais e já trocou tiros com os bandidos várias vezes. Enquanto estava em formação na Academia de Polícia Civil (Acadepol), mas nunca deu um único disparo com uma arma de fuzil. Ele não é o único. Junto com 2.835 policiais formados entre 2013 e 2018, o inspetor foi designado para ir às ruas sem aprender a manusear o mesmo armamento usado, por exemplo, no tráfico.

Segundo dados da corporação, cerca de 25% do seu efetivo, que corresponde a 9 mil policiais civis, nunca foram instruídos sobre como utilizar um fuzil. Nesta imensa lista, estão delegados, inspetores, papiloscopistas, oficiais de cartório e peritos. O inspetor, por conta própria, decidiu investir suas economias em uma especialização num curso em São Paulo. “Os únicos disparos que fiz na Acadepol foram de revolver 38 e pistolas 380 e 40. Parcelei em dez vezes e paguei R$ 1.800 para fazer um curso de fuzil. Preferi fazer isso a usar o fuzil sem treinamento como muita gente faz por aí”, esclareceu.

O curso pertence ao Centro de Treinamento Tático (CTT), no pátio da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC). O gerente geral do CTT, Alexandre Noronha, afirmou que, entre os mais de 5 mil alunos que frequentam o curso anualmente, há sempre policiais civis do Rio. “Não tenho como contabilizar isso. Mas, numa turma de 20 alunos, há sempre uns dois do Rio. Nosso curso básico dura um dia. É para o policial que nunca atirou com fuzil ou para aquele que quer treinar. Há montagem e desmontagem do fuzil e são feitos 350 disparos. No avançado, são dois dias de treinamento, o dobro de disparos, e inclui treinamentos como tiros dinâmicos, trabalhos em dupla e tiros embarcados”.

O fuzil é uma das armas mais utilizadas pelos bandidos no Rio de Janeiro, principalmente o AK-47 e o AR-15 que disparam de 600 a 800 tiros por minuto. De acordo com o diretor da Associação Brasileira de Profissionais de Segurança, Vinicius Cavalcante, a falta de treinamento acarreta riscos para os agentes e para a sociedade. “O policial que não está bem treinado faz um disparo que pode ocasionar uma baixa indesejável. Você tem que se familiarizar com o equipamento que vai empregar na sua atividade. Isso é imprescindível. Não tem tiro teórico”, avaliou o especialista.

A falta de munição é uma das razões pela falta de treinamento com fuzis, segundo o Sindpol. Para o presidente Marcio Garcia, o alto custo das balas também cria situações como a de policiais que está há mais de 20 anos sem fazer recapacitação para atirar. “Vamos sugerir à Secretaria de Polícia Civil que faça um cronograma permanente de treinamento. Há uma parcela significativa de policiais na ativa que só treinou quando se formou na Acadepol. Não tem bala para o policial treinar”, lamentou Garcia. Mesmo com déficit de pessoal, Marcio Garcia ainda explica que “alguns delegados exigem informalmente o curso de fuzil antes de entregar a arma ao agente. Mas, na prática, muitos vão para as ruas sem esse aprendizado porque falta policial”.

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