74% das mulheres que atuam em instituições de segurança pública e Forças Armadas já sofreram assédio sexual

No Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher (10 de outubro), os juízes Mariana Aquino e Rodrigo Foureaux divulgaram resultados de pesquisa feita com quase 2 mil mulheres de instituições em todo o país; estudo motivou criação de campanha e proposta de lei sobre o tema

Uma pesquisa, conduzida por dois juízes com quase 2 mil mulheres que atuam nas instituições de segurança pública e Forças Armadas, revela que 74% delas já sofreram assédio sexual no ambiente de trabalho. Os resultados completos do estudo foram apresentados no dia 10 de outubro, data escolhida por também ser o “Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher”, com o objetivo de expor a realidade enfrentada pelas profissionais da Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros Militar, Polícia Penal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Guarda Municipal, Exército, Marinha e Aeronáutica.

Na oportunidade, os juízes e professores Mariana Aquino e Rodrigo Foureaux, idealizadores da pesquisa inédita e independente, lançaram a campanha nacional “10 Medidas contra o Assédio Sexual”, que visa propor soluções para a conscientização e combate à violência sexual nas instituições de Segurança Pública e nas Forças Armadas. Eles também apresentaram um anteprojeto de lei, redigido com o objetivo de criar mecanismos para prevenir e coibir o assédio na área.

“As instituições devem adotar, como política institucional, medidas que conscientizem os servidores, policiais e militares, sobre a necessidade de prevenir, coibir e erradicar o assédio sexual dentro das instituições. Até porque elas, dentre as suas diversas finalidades, tratam da prevenção e combate à violência na sociedade, mas não cuidam dessa questão em âmbito interno”, afirma Rodrigo Foureaux, juiz de direito e especialista em Segurança Pública e Direito Militar.

Segundo a juíza federal da Justiça Militar, Mariana Aquino, a pesquisa foi realizada em função da necessidade de levantar dados e informações sobre o assédio sexual nas instituições de segurança pública e Forças Armadas do Brasil. “Nosso objetivo macro é engajar a população e o Poder Público nessa importante causa e fomentar a adoção de medidas preventivas e de combate a esse tipo de violência no país”, destaca.

Ambos os autores do estudo possuem vivência e experiência profissional na área, pois já atuaram na carreira militar, e, atualmente, lidam academicamente com a Segurança Pública e o Direito Militar.

Estudo aponta alto índice de assédio

As constatações da pesquisa – iniciada em agosto deste ano e finalizada no fim da semana passada – impressionam e demonstram o alto índice de assédio sexual nas instituições. Os dados apontam que 83% das mulheres assediadas não denunciaram, principalmente por “não acreditarem na instituição”, “medo de sofrer represália”, “medo de se expor ou de atrapalhar a carreira”. A pesquisa revelou, ainda, que a maioria das mulheres que denunciou o assédio sofreu represálias e o assediador não foi punido.

O estudo indica que existe a prática de violência institucional nos órgãos de segurança pública e das Forças Armadas, uma vez que muitas das mulheres que procuram as instituições para denunciar ficam desamparadas ou sofrem revitimização. “As instituições ou não adotam política de prevenção e combate ao assédio sexual ou o que fazem é insuficiente”, destaca Rodrigo Foureaux.

O estudo colheu cerca de 700 relatos, por escrito, de mulheres em todas as regiões do país, que apresentam os detalhes de como o assédio sexual ocorreu. As histórias das participantes serão disponibilizadas no material que será divulgado depois da realização da live. “Há relatos de estupro que ‘não deram em nada’, além de inúmeros relatos absurdos e chocantes, muito difíceis de serem escritos e lidos.

Há várias mulheres que disseram ter tido depressão e pensamentos suicidas; inclusive, uma das nossas entrevistadas afirmou que pensou em matar o assediador. Várias mulheres relataram sequelas e a realização de tratamento médico e psicológico. Há um alto número de relatos de que chefes e superiores hierárquicos pedem favores sexuais para concederem privilégios e benefícios para as mulheres na carreira”, explica Mariana Aquino.

Rodrigo Foureaux afirma que a atividade policial ou militar é cultural e socialmente, por razões históricas, considerada tipicamente masculina, “apesar de as mulheres possuírem completas condições de desempenharem as mesmas atividades que os homens com qualidade igual ou superior”.

“A hegemonia masculina, decorrente na maior parte em razão da limitação de vagas para o ingresso na carreira, e a discriminação contra a mulher tornam-se evidentes quando a mulher busca superar as barreiras culturais, sociais e históricas e ocupar posições de destaque. O assédio sexual é uma das formas de discriminação e que busca dificultar e impedir o avanço da mulher, que, receosa em denunciar, sofrer perseguições, se expor e não progredir na carreira profissional, acaba por aderir à ‘cultura do silêncio'”, analisa o juiz.

Outra constatação do estudo é de que as mulheres dessas instituições “estão sufocadas, querem pedir socorro, gritar, mas, infelizmente, não possuem voz”. “Essa é a proposta do nosso estudo, da campanha que estamos lançando e do anteprojeto: dar voz às mulheres, prevenir e coibir o assédio sexual enfrentado por tantas profissionais”, afirma Foureaux.

Outros detalhes da pesquisa:

– A maioria das respondentes pertence à Polícia Militar: 59%; na sequência, aparecem Corpo de Bombeiros (19%) e Forças Armadas (12%);

– Grande parte dos assediadores foram os superiores hierárquicos das profissionais: 85,5%;

– Em relação às posições ocupadas pelas respondentes na ocasião do assédio, —Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e Forças Armadas— a maioria tinha a graduação de soldado (62%), seguido por cabo (11%) e tenente (7%);

– Sobre as consequências que ocorreram depois da denúncia de assédio, 36,9% afirmaram que nenhuma, pois o administrador nada fez contra o assediador; 14,4% responderam nenhuma, pois não havia provas; 11,8% disseram que o assediador foi transferido do local de trabalho por decisão da administração; e 11,5% a assediada foi transferida do local de trabalho por pedido próprio;

– 51% das mulheres responderam que houve represálias após a denúncia do assédio;

– Em relação à busca por apoio médico e psicológico depois de ter sofrido assédio, a maioria (84%) respondeu que não;

– Sobre a sensação de proteção para denunciar o assédio sexual, grande parte das mulheres que já sofreram assédio respondeu que não (78,7%), enquanto 60,5% das respondentes que nunca foram assediadas se sentem seguras para fazer a denúncia;

– A grande maioria das instituições não possui campanha de prevenção e combate ao assédio sexual: 92%;

– Entre as principais formas de assédio, as respondentes citaram: propostas indecentes, insinuações e cantadas; contatos físicos forçados; diversos; uso explícito ou implícito da condição de superior ou do cargo/função; e menção ao corpo da mulher;

–  Foram enviados e-mails para a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, para todas as Polícias Militares, Polícias Civis, Corpos de Bombeiros Militares, Exército, Marinha e Aeronáutica. No total, foram 86 e-mails enviados e apenas 19 deles foram respondidos suficientemente.

Alguns relatos:

“O oficial ficou me chamando para sair, para ir com ele em uma festa para a gente beber muito e se divertir, eu disse que não bebia e saí de perto, ele me seguiu e disse que me ensinaria e que a gente ia se divertir muito. Uma outra vez, outro oficial me chamou no canto e disse que eu estava muito bonita, muito sexy de maquiagem, que havia gostado de mim daquele jeito é ficou me olhando com desejo.”

“Já ouvi várias palavras que me chatearam muito, como ser chamada para ir almoçar no motel, ser chamada de potranca porque minha bunda é grande e boa para fazer sexo, como ter o alojamento invadido e ter que xingar o sargento para ele sair, enfim….já passei por várias situações.”

“Fui filmada tomando banho por um cabo na unidade em que servia e meu chefe falava besteiras para mim e minha colega de trabalho, como: ‘você tem cara de princesinha, já a outra mais vivida. ‘eu teria um relacionamento tranquilamente com uma menina como você’ eu tinha 21; já ele, 53.”

“Me mandou mensagem pelo WhatsApp dizendo que estava apaixonado, me chamando para sair, me elogiando, ele foi ignorado, porém continuou. Em um certo dia foi até a minha casa de madrugada e tentou entrar. E no ambiente de trabalho tentou me dar um beijo, ficava me olhando com olhares de desejo.”

“Durante uma reunião, um coronel pôs a mão na minha perna por baixo da mesa; eu me afastei, olhei com cara feia e os outros oficiais da reunião (todos homens) olharam pra mim sem entender. Eu fiquei com medo de dizer o que havia ocorrido (pois sempre dizem que estamos exagerando) e me calei. Depois, o coronel veio dizer que foi sem querer e pedir desculpas, disse realmente não percebeu.”

OS AUTORES DA PESQUISA

Mariana Aquino é professora e pesquisadora. Atua como juíza federal da Justiça Militar e é autora de livros na área do Direito Militar. É coordenadora e professora em cursos de pós-graduação em Direito Militar e preparatórios para concursos.

Rodrigo Foureaux é professor e pesquisador. Atua como juiz de direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás e é Oficial da Reserva Não Remunerada da Polícia Militar de Minas Gerais. É fundador do site “Atividade Policial” e autor de livro de Direito Militar e do livro “Segurança Pública”.

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